BlacKkKlansman: O Que é Ódio?

Vinicius Fagundes
4 min readMar 5, 2019

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O protagonista Ron Stallworth e a líder estudantil Patrice Dumas

“Chega de ódio!”, gritou uma senhora para a sala ainda em catarse pelo fim estonteante do último filme de Spike Lee. Ela gritou isso após algumas pessoas berrarem Ele Não e Fogo nos Racistas. Palavras de ódio interrompidas por alguém de bem querendo apenas a paz, certo? Puta burrice. Aquela senhora representa tudo o que está de errado nesse país, nos EUA e em quase todos os outros.

“O ódio (do latim odiu), também chamado de execração, raiva, rancor e ira,[1] é um sentimento intenso de raiva e aversão. Traduz-se na forma de antipatia, aversão, desgosto, rancor, inimizade ou repulsa contra uma pessoa ou algo, assim como o desejo de evitar, limitar ou destruir o seu objetivo. O ódio pode se basear no medo, justificado ou não. É descrito com frequência como o contrário do amor ou da amizade […]”

“Ódio pode se basear no medo”. Esse é o trecho mais importe do verbete ódio presente na Wikipédia. Quem é que tem medo? Os supremacistas da KKK ou o povo preto lutando para sobreviver?

O filme, que trata de narrar a história real de um policial preto que resolve se infiltrar na infame Ku Klux Klan, é intrinsecamente costurado com o momento atual de tensões sociais em vários lugares do mundo, que alçaram ao poder políticos de extrema-direita que têm como base de discurso o incitamento ao medo do povo à assunção em direitos e posição social de grupos socialmente minoritários: pretos, mulheres e LGBTQ+.

Por que temer a ascensão das minorias?

Assim como aqui no Brasil, nos EUA o sistema capitalista também foi golpeado por crises econômicas que afundaram em derrocada de qualidade de vida e poder de consumo parte significativa da população: a classe média e, por consequência, a parte pobre. Ao mesmo tempo, ambos os países passaram por governos que, independentemente do julgamento se suficiente, bem intencionado ou o que seja, realizaram ações que trouxeram uma mínima entrada no jogo da ditadura do mercado às populações marginalizadas que hoje sofrem com esse ódio promovido pelo medo.

Ver sua capacidade de consumo podada, empresas multinacionais debandando do país, um novo alargamento da distância entre os avanços internacionais e o seu próprio e muitos outros efeitos negativos que crises proporcionam, criou, na mente dessas classes do topo, uma sensação de contrariedade ao notar que, enquanto estavam estagnadas, uma parcela do povo estava em ascensão. A questão não é perder privilégios. É ver que outros o estão obtenho também. O capitalismo é essencialmente competitivo. Para quem está na frente, notar no retrovisor alguém que nunca esteve lá antes dá medo.

A classe média, egoísta e ressentida por ter que dividir o bolo com mais pessoas, transformou esse medo em ódio quando o bolo parou de crescer, e o ressoou para o restante da população, tornando esse ressentimento o combustível necessário para que o neo-fascismo implodisse a democracia burguesa dentro de suas próprias regras, fazendo com que, em pleno 2019, o paralelo com uma organização nada mais que abominável como a Ku Klux Klan seja bem razoável.

O líder da KKK David Duke, que nutre uma simpatia pelo Bolsonazi

Os brancos superestimados

Um dos poucos defeitos de Infiltrado na Klan — há outros, que aqui não vêm ao caso — é que Spike Lee superestima a audiência. Em uma das passagens mais fortes do longa, a edição fica indo e voltando de uma reunião de um movimento preto estudantil e um ritual da Ku Klux Khan. Em dado momento, os branquelos entoam gritos de “White Power”, então corta para a reunião estudantil bradando “Black Power”. Essa sequência, posta desta forma, pode fazer os mais incautos concluírem que se trata de uma simetria que, obviamente, não existe. White Power e Black Power não são dois lados da mesma moeda. Enquanto um sai da garganta de pessoas da classe e raça hegemônicas tentando manter seu status de supremacia, o outro é o grito de quem quer resistir e sobreviver.

Aquela senhora de classe média no mais tradicional cinema de burguês do centro de São Paulo não queria o fim do ódio. Ela queria apenas silenciar novamente um povo para que pudesse voltar a não sentir medo. Ela não entendeu o filme, não sabe o que é ódio, nem de qual lado ele está.

FOGO NOS RACISTA.

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